Publicado em: 30 de outubro de 2023
“A Atenção Primária é a principal porta de entrada do SUS e deveria resolver por meio da Estratégia de Saúde da Família os principais problemas da pasta, além de prezar pelo cuidado dos indivíduos, em vez de apenas tratar das doenças. Infelizmente, essa não é a nossa realidade e há um longo caminho a ser percorrido para que Formiga dê a sua população um SUS eficiente e humanizado.”
Após cinco meses de fiscalizações nas Unidades Básicas de Saúde – UBS’s, a Comissão Especial de Saúde, da Câmara Municipal de Formiga, composta pelos vereadores Cid Corrêa (Presidente), Joice Alvarenga (Relatora) e Cabo Cunha (Membro), apresentou e publicitou o relatório final.
Ainda no início dos trabalhos, a Comissão apontou falhas e identificou diversas demandas, a título exemplificativo, a situação precária e insalubre da estrutura física de várias UBS’s e a falta recorrente de vários Agentes Comunitários de Saúde – ACS. Em resposta, a Secretaria Municipal de Saúde realizou pequenas reformas dessas unidades e contratou 22 novos ACS’s.
Em Formiga, há 17 UBS’s em funcionamento e 19 equipes de saúde, sendo 18 da Estratégia Saúde da Família – ESF e uma da Atenção Primária, cada uma delas composta por um médico de Família e Comunidade; enfermeiro generalista ou especialista em Saúde da Família; auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde. Em várias unidades há a equipe de saúde bucal, composta pelo dentista e por uma auxiliar de saúde bucal. Os atendimentos psicológico, fonoaudiólogo, terapêutico, entre outras áreas, são realizados pelas equipes multiprofissionais, cuja carga horária individual do profissional é distribuída nas várias unidades de saúde.
A Comissão Especial de Saúde recebeu do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, cópia do inteiro teor do procedimento administrativo aberto pela 3ª Promotoria de Justiça, com objeto semelhante. A vereadora e relatora da Comissão, Joice Alvarenga, fez um intenso estudo desse material, que soma mais de seis mil páginas. Além disso, a Comissão aplicou um questionário sobre o funcionamento da atenção primária em cada unidade de saúde.
Em entrevista com a Comissão Especial de Saúde – CES, após um estudo detalhado do relatório, os vereadores evidenciaram quais os pontos mais críticos e relevantes, destacando-os e identificando as maiores urgências e providências. Portanto, aquelas que requerem maior atenção por parte do Poder Público, especialmente na atenção primária de saúde.
ACCMF: Qual o maior problema da Saúde no município?
CES: A situação precária da Atenção Primária, sem sombra de dúvidas! É a situação mais preocupante, sobretudo, porque cabe à Atenção Primária a responsabilidade de responder de forma equitativa e eficiente às necessidades de saúde dos cidadãos, incluindo o atendimento abrangente, acessível e permanente dentro do conceito de comunidade, isto é, ofertar a atenção integral em saúde o mais próximo possível do ambiente cotidiano dos indivíduos e famílias. A Atenção Primária preza pelo cuidado dos indivíduos, em vez de apenas tratar das suas doenças. É por isso que a Atenção Primária deve disponibilizar um conjunto de serviços que vão desde a PROMOÇÃO E PREVENÇÃO até o tratamento de doenças agudas e infecciosas, o controle de doenças crônicas, cuidados paliativos e reabilitação. O que nos impede de andar e fazer funcionar essa engrenagem é a falta de planejamento de gestão da Secretaria Municipal de Saúde, constatada nos últimos anos, e de suporte operacional às equipes da Estratégia de Saúde da Família. A prioridade da gestão municipal não está na Atenção Primária e isso tem feito com que a população adoeça mais e fique cada vez mais dependente de um nível de maior complexidade dentro do sistema. Por causa disso, a UPA fica sobrecarregada e há ocorrência de longas filas de pacientes para realizar exames e cirurgias eletivas.
ACCMF: Foi apontado pela Comissão que as equipes estão trabalhando no limite mínimo para atender a grande demanda, também foi mostrado no relatório as péssimas condições estruturais das UBS’s, tudo isso dificulta a obtenção de resultados satisfatórios na saúde local?
CES: Foi verificado na maioria das unidades de saúde, graves problemas nas condições físicas, sanitárias e de funcionamento. Os laudos sanitários, encaminhados à Comissão Especial de Saúde pelo Ministério Público de Minas Gerais –MPMG, apontam falhas graves nas UBS’s, reiteradas nos últimos anos, sem respostas efetivas para resoluções. Além disso, é preocupante a desassistência dos serviços durante o período de férias dos profissionais, principalmente dos médicos. Não há um planejamento para feiristas substituírem profissionais nos seus períodos de férias, a fim de suprir uma necessidade pontual e garantir a continuidade e regularidade da prestação do serviço público. Observamos que nas unidades cujos médicos encontram-se no gozo de suas férias, a substituição não ocorre ou quando ocorre é de forma precária, com atendimentos em apenas um ou dois dias da semana.
ACCMF: A Comissão falou muito sobre o problema da desassistência à saúde da população. Qual o principal motivo?
CES: A assistência à saúde está comprometida devido à AUSÊNCIA DE UM PLANEJAMENTO DE GESTÃO, em que conduza o serviço com olhar técnico, previsibilidade, atendimento às normativas do SUS, fornecimento contínuo de materiais e insumos, reorganização das equipes de saúde, cobertura adequada/programada de férias de servidores, especialmente médicos, redimensionamento da cobertura da atenção básica nos territórios e, sobretudo, atendimento abrangente e acessível para atender as necessidades de saúde da população adstrita na Estratégia Saúde da Família – ESF, a fim de evitar sobrecarregar a UPA, com casos que deveriam ter sido solucionados na Atenção Básica, mas não foram, tal como verificamos de forma recorrente.
ACCMF: Na ausência do planejamento, além de recursos humanos e estrutura física, o que mais dificulta executar a atenção primária nas UBS’s?
CES: As equipes das UBS’s convivem diariamente com a falta de materiais essenciais ao trabalho, que são disponibilizados sempre em quantidade insuficiente para suprir as necessidades do serviço. A consequência é a desassistência na realização de procedimentos tais como curativos e exames preventivos, além da precariedade da limpeza das unidades.
ACCMF: Segundo o relatório final, o “Ministério da Saúde orienta que quanto maior o grau de vulnerabilidade no território de cobertura, menor deverá ser a quantidade de pessoas por equipe referenciar.” O que vocês observaram sobre essa recomendação?
CES: A PNAB/2017 coloca que cada ESF deve ser responsável por 2.000 a 3.5000 pessoas. Contudo, observou-se que o Município não segue essa determinação, sendo a média de cobertura por equipe da ESF, aproximadamente, 4.000 pessoas, mas identificamos situações preocupantes em que a equipe é responsável por uma área com população adstrita de mais de 6.000 mil pessoas. Como, por exemplo, a UBS Geraldo Veloso, responsável pela cobertura de uma área com população adstrita de 6.000 habitantes, a qual abriga os conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida, faixa 1, de famílias em vulnerabilidade social, cujo critério de renda familiar à época de sua implementação, entre os anos de 2010 a 2013, era inferior a três salários mínimos. A atual realidade dessa UBS a classifica com a cobertura insatisfatória. Mas, igualmente, há outras unidades de saúde passando pelos mesmos problemas de cobertura do seu território, especialmente em decorrência do número reduzido de agentes comunitários de saúde.
ACCMF: O que mais chamou a atenção da Comissão em relação à cobertura da Estratégia Saúde da Família e a população cadastrada nas UBS’s?
CES: A população adstrita é aquela que está presente no território da UBS. Em Formiga, conforme dados oficiais da gestão municipal e cadastrados no Ministério da Saúde, a população adscrita nas 17 UBS’s totaliza 74.055 pessoas. Portanto, um número maior do que aquele apontado pelo IBGE, que é de 68.248 pessoas. É imprescindível que a gestão do SUS local verifique essas inconsistências e dê prioridade absoluta para regularizar essa situação. Manter todos os dados atualizados da pessoa no SUS é importante para evitar aquelas situações que poderão comprometer a base de dados do Município, com consequências graves na oferta da política de saúde.
ACCMF: O que a Comissão Especial de Saúde espera com o término desse trabalho?
CES: A Atenção Básica é caracterizada como porta de entrada preferencial do SUS, o espaço para acolher o cidadão, realizar acompanhamento, orientações, ações educativas, preventivas e curativas. Nesse sentido, ela cumpre um papel estratégico na rede de atenção, servindo como base para o seu ordenamento e para a efetivação da integralidade do SUS. Mas, para dar conta dessa tarefa é necessário que as UBS’s e a rede de atendimento primário tenham alta resolutividade, com capacidade clínica e de cuidado, atuação diagnóstica e terapêutica. Para isso, não há outro caminho que não seja o Poder Executivo entender todos esses problemas e buscar efetivamente resolvê-los por meio do planejamento e da prioridade orçamentária para Atenção Primária. Cabe ao Secretário Municipal de Saúde e sua equipe gestora oferecer as condições necessárias para qualificar essa política pública.
ACCMF: O conjunto dessas ações foi a base de trabalho para compreender as reais falhas do sistema de saúde local e escrever o relatório final, que foi concluído com vários apontamentos, recomendações e solicitações?
[1] Portaria nº 397 de 16 de março de 2020, do Ministério da Saúde, que dispõe sobre o Programa Saúde na Hora e viabiliza o custo aos municípios para implantação do horário estendido nas unidades de saúde da Atenção Básica.